ABEEólica
30 de novembro de 2020 Agência ABEEólica

A alfaiataria dos contratos para o mercado livre de energia (Valor Econômico)

O mercado livre para eólica passa por uma profunda transformação na forma de oferta de energia e da relação que se estabelece entre fornecedores e consumidores de energia. Tais avanços são grandes negócios de longo prazo, feitos como “alfaiataria”, a gosto do freguês e de suas necessidades. E é desse novo modelo que gostaria de tratar neste artigo.

 

Para entender como chegamos aqui, um breve histórico do mercado livre é necessário. Em 1995, a lei 9074 determinou que os consumidores acima de 3 MW poderiam escolher seu fornecedor, o que permitiu que, a partir de 2000, os primeiros contratos viessem a aparecer, surgindo também uma importante categoria de agentes, as comercializadoras, que hoje são mais de 370, de acordo com dados da CCEE. A Lei 9.427/1996, por sua vez, criou a categoria de consumidor especial, acima de 500 KW, que pode optar livremente pelo seu fornecedor de energia, desde que seja eólica, solar, PCH, biomassa ou resíduos sólidos. Ao ser regulamentada, 10 anos depois, pela Resolução Normativa 247/2006, o benefício do desconto nas tarifas na TUSD e TUST para esta categoria impulsionou o mercado. Em 2008, eram 194 consumidores especiais como agentes na CCEE, e hoje este número é de 7.000.

 

O cenário atual apresenta um mercado livre complexo, experiente e fascinante em soluções novas, com elevado grau de diferenciação de produtos e serviços. Numa trajetória irreversível de expansão, pavimentada por erros e acertos, o aprendizado e amadurecimento deste segmento vai ao encontro e, ao mesmo tempo determina, a necessária Modernização do Setor Elétrico. Destaca-se que, por força de regulamentação via portaria do MME, começou, no ano passado, a queda gradual do valor mínimo para que um consumidor seja classificado como livre, o que já vem ampliando este mercado consideravelmente, e continuará fazendo-o nos próximos anos. Também impulsionam o setor as mudanças feitas pelo BNDES nos últimos três anos para financiamentos de projetos de energia no mercado livre, dando aos investidores uma opção segura de funding com, por exemplo, garantias rolantes e outras características adaptadas para o tipo de negócio.

 

Outro ponto importante é que, em 2017, com projetos eólicos represados devido à ausência de leilões regulados por cerca de 24 meses, presenciamos uma mudança: além da queda dos custos e preços da fonte eólica, muitos dos vencedores dos leilões haviam viabilizado apenas parte dos seus contratos no ACR, deixando uma grande parte livre para negociações no mercado livre. Era como uma âncora, já que existia uma assimetria importante: projetos do ACR com prioridade para conseguir margem de escoamento de energia em relação aos do ACL. Com isso, eles garantiam, por meio dos leilões, sua conexão e podiam negociar direto com compradores. Com a queda de demanda neste ano de 2020, que levou ao cancelamento dos leilões, a problemática do ponto de conexão é menor, o que abre espaço para negociações de projetos eólicos na modalidade 100% dedicado ao mercado livre.

 

Importante considerar que foram habilitados mais de 22 GW de projetos de eólicas no último leilão. A carteira de eólicas é muito grande. O que temos visto é que o mercado está encontrando novas e inventivas saídas para liberar toda essa potência. E essa criatividade será cada vez mais necessária, porque o curto e médio prazo nos apontam leilões regulados menores e com tendência a diminuir num futuro um pouco mais distante, uma vez que o movimento de abertura de mercado sustentado pela regulação, conforme destacado pela Portaria n° 465/2019 do MME e pela implementação da Modernização do Setor Elétrico em curso.

 

O que estamos vendo agora é que o gerador/comercializador está procurando direto os consumidores que têm possibilidade de serem livres, mas eles não chegam mais com opções prontas, apenas para serem adaptadas em relação ao consumo. O que eles fazem é criar um contrato que se encaixe no consumidor considerando características inovadoras, podendo incluir, por exemplo, parcerias para construção do parque eólico, possibilidade de se tornar proprietário em sociedade do parque, apenas desenvolvimento do projeto ou gestão e operação. A verdade, neste ponto, é que não sabemos exatamente os detalhes destes novos modelos, porque há um certo “segredo” de alfaiate aí. Insisto na metáfora “alfaiataria”, pois o mercado livre habitual é como uma loja de roupas prontas que se oferecem por variados tamanhos, mas “modelos” iguais, enquanto estes novos contratos são feitos unicamente sob medida, os ajustes vão sendo feitos meticulosamente e só servem para aquele consumidor.

 

Sem dúvida, dada a regulação atual, o mercado livre tem ainda um grande potencial de crescimento e que pode ser ainda mais expressivo com os avanços da modernização da legislação. Isso é algo concreto que estamos comprovando dia após dia, especialmente neste difícil ano de 2020 em que nossa criatividade tem sido posta à prova no comando de negócios, resultando em contratos inovadores, como os fechados recentemente com a Anglo American, Tivit, Vulcabrás Azaleia, Grupo Moura, Unipar Carbocloro, entre outros. Para que estes novos “alfaiates” dos ventos possam continuar a contribuir com o crescimento do mercado livre, é importante e necessária a mitigação e eliminação das assimetrias técnicas e regulatórias entre os ambientes de contratação – ACR e ACL- o que vem sendo muito bem encaminhado pelo governo, além do desenvolvimento de novos arranjos pelo mercado financeiro e de capitais, de forma que este passe a oferecer mais opções de funding, o que também me parece que caminha bem.

 

Sempre gosto de lembrar que o Brasil tem um dos melhores ventos do mundo para energia eólica. É nosso vento extraordinário que levou a eólica para o segundo lugar da matriz elétrica brasileira e agora esse vento serve também de um valioso “tecido” para “alfaiates” habilidosos do mercado livre. Num 2020 de tantos desafios, é uma alegria perceber a criatividade e nossos bons ventos fazendo algo de inovador surgir no mercado.

 

Elbia Gannoum

Presidente da ABEEólica

Fonte: Valor Econômico[:en]O mercado livre para eólica passa por uma profunda transformação na forma de oferta de energia e da relação que se estabelece entre fornecedores e consumidores de energia. Tais avanços são grandes negócios de longo prazo, feitos como “alfaiataria”, a gosto do freguês e de suas necessidades. E é desse novo modelo que gostaria de tratar neste artigo.

 

Para entender como chegamos aqui, um breve histórico do mercado livre é necessário. Em 1995, a lei 9074 determinou que os consumidores acima de 3 MW poderiam escolher seu fornecedor, o que permitiu que, a partir de 2000, os primeiros contratos viessem a aparecer, surgindo também uma importante categoria de agentes, as comercializadoras, que hoje são mais de 370, de acordo com dados da CCEE. A Lei 9.427/1996, por sua vez, criou a categoria de consumidor especial, acima de 500 KW, que pode optar livremente pelo seu fornecedor de energia, desde que seja eólica, solar, PCH, biomassa ou resíduos sólidos. Ao ser regulamentada, 10 anos depois, pela Resolução Normativa 247/2006, o benefício do desconto nas tarifas na TUSD e TUST para esta categoria impulsionou o mercado. Em 2008, eram 194 consumidores especiais como agentes na CCEE, e hoje este número é de 7.000.

 

O cenário atual apresenta um mercado livre complexo, experiente e fascinante em soluções novas, com elevado grau de diferenciação de produtos e serviços. Numa trajetória irreversível de expansão, pavimentada por erros e acertos, o aprendizado e amadurecimento deste segmento vai ao encontro e, ao mesmo tempo determina, a necessária Modernização do Setor Elétrico. Destaca-se que, por força de regulamentação via portaria do MME, começou, no ano passado, a queda gradual do valor mínimo para que um consumidor seja classificado como livre, o que já vem ampliando este mercado consideravelmente, e continuará fazendo-o nos próximos anos. Também impulsionam o setor as mudanças feitas pelo BNDES nos últimos três anos para financiamentos de projetos de energia no mercado livre, dando aos investidores uma opção segura de funding com, por exemplo, garantias rolantes e outras características adaptadas para o tipo de negócio.

 

Outro ponto importante é que, em 2017, com projetos eólicos represados devido à ausência de leilões regulados por cerca de 24 meses, presenciamos uma mudança: além da queda dos custos e preços da fonte eólica, muitos dos vencedores dos leilões haviam viabilizado apenas parte dos seus contratos no ACR, deixando uma grande parte livre para negociações no mercado livre. Era como uma âncora, já que existia uma assimetria importante: projetos do ACR com prioridade para conseguir margem de escoamento de energia em relação aos do ACL. Com isso, eles garantiam, por meio dos leilões, sua conexão e podiam negociar direto com compradores. Com a queda de demanda neste ano de 2020, que levou ao cancelamento dos leilões, a problemática do ponto de conexão é menor, o que abre espaço para negociações de projetos eólicos na modalidade 100% dedicado ao mercado livre.

 

Importante considerar que foram habilitados mais de 22 GW de projetos de eólicas no último leilão. A carteira de eólicas é muito grande. O que temos visto é que o mercado está encontrando novas e inventivas saídas para liberar toda essa potência. E essa criatividade será cada vez mais necessária, porque o curto e médio prazo nos apontam leilões regulados menores e com tendência a diminuir num futuro um pouco mais distante, uma vez que o movimento de abertura de mercado sustentado pela regulação, conforme destacado pela Portaria n° 465/2019 do MME e pela implementação da Modernização do Setor Elétrico em curso.

 

O que estamos vendo agora é que o gerador/comercializador está procurando direto os consumidores que têm possibilidade de serem livres, mas eles não chegam mais com opções prontas, apenas para serem adaptadas em relação ao consumo. O que eles fazem é criar um contrato que se encaixe no consumidor considerando características inovadoras, podendo incluir, por exemplo, parcerias para construção do parque eólico, possibilidade de se tornar proprietário em sociedade do parque, apenas desenvolvimento do projeto ou gestão e operação. A verdade, neste ponto, é que não sabemos exatamente os detalhes destes novos modelos, porque há um certo “segredo” de alfaiate aí. Insisto na metáfora “alfaiataria”, pois o mercado livre habitual é como uma loja de roupas prontas que se oferecem por variados tamanhos, mas “modelos” iguais, enquanto estes novos contratos são feitos unicamente sob medida, os ajustes vão sendo feitos meticulosamente e só servem para aquele consumidor.

 

Sem dúvida, dada a regulação atual, o mercado livre tem ainda um grande potencial de crescimento e que pode ser ainda mais expressivo com os avanços da modernização da legislação. Isso é algo concreto que estamos comprovando dia após dia, especialmente neste difícil ano de 2020 em que nossa criatividade tem sido posta à prova no comando de negócios, resultando em contratos inovadores, como os fechados recentemente com a Anglo American, Tivit, Vulcabrás Azaleia, Grupo Moura, Unipar Carbocloro, entre outros. Para que estes novos “alfaiates” dos ventos possam continuar a contribuir com o crescimento do mercado livre, é importante e necessária a mitigação e eliminação das assimetrias técnicas e regulatórias entre os ambientes de contratação – ACR e ACL- o que vem sendo muito bem encaminhado pelo governo, além do desenvolvimento de novos arranjos pelo mercado financeiro e de capitais, de forma que este passe a oferecer mais opções de funding, o que também me parece que caminha bem.

 

Sempre gosto de lembrar que o Brasil tem um dos melhores ventos do mundo para energia eólica. É nosso vento extraordinário que levou a eólica para o segundo lugar da matriz elétrica brasileira e agora esse vento serve também de um valioso “tecido” para “alfaiates” habilidosos do mercado livre. Num 2020 de tantos desafios, é uma alegria perceber a criatividade e nossos bons ventos fazendo algo de inovador surgir no mercado.

 

Elbia Gannoum

Presidente da ABEEólica

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